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Tiago Sousa

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THE EARLY YEARS

 Tens alguma recordação relacionada com as primeiras vezes que tocaste piano?
 Recordação não tenho, porque foi mesmo há muito tempo, tinha dois, três anos. A minha avó é professora de piano e aprendi a tocar com ela. Contam-me que uma das minhas brincadeiras era improvisar, duma forma bastante naif, livre e inconsequente. E contam-me também que o professor Campos Coelho, que tinha ensinado a minha avó (e também, por exemplo, a Maria João Pires), e era um professor importante no universo da música erudita portuguesa, um dia viu-me a brincar ao piano e comentou que eu sabia o que estava a fazer.
 Passavas muito tempo em casa da tua avó?
Sim, passava. E era natural para ela, que tinha o gosto pelo ensino, ensinar toda a gente da família. Houve uma altura em que tive umas aulas mais regulares, mas sempre num registo bastante descontraído. Na altura eu morava em Sintra. Só anos mais tarde vim para Lisboa, morar na casa dela, período que coincidiu com a minha entrada na  adolescência. Ironicamente, foi a altura em que estive mais desligado do piano, talvez por este estar tão à mão. De qualquer modo, a adolescência não se pauta por ser uma idade em que se tenha a cabeça muito no lugar, principalmente para aprender um instrumento tão exigente como o piano. O que aconteceu foi que, naturalmente, acabei por me ligar mais ao universo do rock, através da guitarra, que foi o instrumento que me agradou mais na altura, e fiz aquele percurso natural da adolescência, de ter bandas, etc.
 Mas tiveste aulas de guitarra?
Frequentei durante dois anos a Escola de Jazz do Barreiro, onde aprendi guitarra, já mais velho, nos meus vintes. Mas nessa altura, não. Era autodidacta e as referências que ia buscar estavam sobretudo ligadas ao punk e a bandas de rock musicalmente simples, por assim dizer. O que interessava ali, no fundo, era a força de expressão. E de alguma forma eu absorvi essa experiência e de alguma forma ainda hoje me identifico com ela. Se formos a ver o meu percurso, até acaba por fazer sentido.
 Há uma coisa particularmente bonita no teu percurso, que é o facto de ter sido a tua avó a oferecer-te o piano e de ser, ao mesmo tempo, verosímil que ela goste da música que fazes.
Quando lhe disse que tinha decidido voltar a tocar, ela ficou muito satisfeita. É um legado que quer sempre transmitir e como é a uma pessoa da família, acaba por ter esse gosto particular. E gosta muito dos meus álbuns. Ainda hoje me disse que o disco que gosta mais é o primeiro, o Crepúsculo, aquele em que curiosamente toco pior. Ela é uma motivação muito grande para mim.
 Foi fácil para ti começar a compor?

O meu processo é essencialmente ao piano, não componho de forma abstracta, como um compositor que é capaz de imaginar uma melodia na sua cabeça, sem ter o instrumento à frente. O meu processo é de experimentação, toco uns acordes, procuro uma harmonia que me agrade e depois trabalho em cima dessa construção. Ao início era mais limitado, no sentido em que dependia muito da questão do piano e de decorar cada bloco de música. Agora já estou a escrever mais, porque me apercebi que isso facilita muito o processo e me dá a facilidade de perceber o que estou a fazer duma forma um bocadinho mais imparcial. Por um lado é uma coisa muito física, e do próprio ouvido, por outro lado a minha música também tem algum carácter de intelectualização estética, que vou exercendo à medida que vou construindo a narrativa.

 

RELAÇÕES ENTRE MÚSICO, OUVINTE E OUTRAS ARTES

 Eu estava em casa, a ouvir o teu álbum, embrenhada a ler um livro, e a tua música estava a tocar, mas não interferia…

Numa fase mais avançada da sua carreira, Erik Satie dedicou-se a fazer um tipo de música a que ele chamava “música mobília”. O propósito era o de que a música estabelecesse o ambiente do sítio onde fosse tocada, mas não fosse o foco de atenção. Identifico-me com isso. Dou uma importância muito grande à música, mas também não quero que de repente fique acima da esfera das coisas quotidianas. A questão da música estabelecer o ambiente, prende-se com a questão da relação do próprio ouvinte com a música. Eu faço música, é esse o meu intuito, mas não tenho o direito de escravizar as pessoas em relação a uma forma única de ouvir. Tanto toco no Museu da Música, como numa pastelaria, como em casa de pessoas, e procuro sempre que o meu trabalho faça sentido. Por outro lado, as pessoas têm também muitas formas de ouvir música: a ler, a trabalhar, etc. Para mim, é importante preservar a forma particular de cada pessoa se relacionar com o som.

 Embora o teu trabalho tenha propriedades cinematográficas evidentes, ficas um pouco relutante quando te perguntam se gostas de fazer bandas sonoras.

A minha relutância em relação às bandas sonoras, prende-se com o facto de eu não me sentir compositor profissional. Faço música no sentido de me relacionar com a música que faço, e só poderia fazer uma banda sonora de um filme se me relacionasse com o assunto do filme e achasse que podia acrescentar alguma coisa de pessoal. Tem de ser muito mais uma questão relacionada com o que me interessa a mim e ao próprio realizador, do que uma questão pragmática do género “Estou a fazer música para servir o teu filme”. É aí que eu me distancio da questão das bandas sonoras.

 De que modo relacionas a tua música com a literatura?

As pessoas habituam-se a ler e depois isso leva-as a vários sítios…para mim a literatura tem uma importância muito grande, já que me possibilita a experiência de vários tipos de vivências sem ter de passar por elas. É um bom relato na terceira pessoa, que possibilita que te relaciones com uma maior diversidade de experiências e também, de algum modo, que cresças como indivíduo. A minha relação com a literatura surge primeiro por aí. Depois, como o meu objecto artístico é a música instrumental, sinto que de algum modo é importante relacionar esse instrumental com coisas mais palpáveis. Achei piada ao exercício que começou com o livro de William Burroughs, The Western Lands, e que deu origem a um álbum meu com o mesmo nome. Com esse livro experienciei uma série de emoções e relacionei-me com uma série de questões. Pensei, depois, na forma como poderia transformar isso numa questão estética. Sinto que correu bem. Primeiro que tudo, porque a questão de ter uma base teórica, ou narrativa, ajuda-me a centrar a música, e evita que esta se torne dispersa ou inconsequente. No fundo, conduzo a minha atitude não só pelas coisas que escolho para trabalhar musicalmente, mas também pelas coisas que leio diariamente, enquanto leitor normal. Quando contactei com a obra de Henry David Thoreau, achei a sua autobiografia Walden (Walden ou A Vida nos Bosques, 1854) muito bonita e poética, mas considerei também que tratava de questões que eram essenciais para mim. Tentei pegar numa série de ambientes que me sugeriam o livro, e também numa série de premissas que encontrei na obra do Thoreau. Este último disco não é só sobre esse livro, é um pouco sobre a personagem do próprio Thoreau. Nessa lógica, procurei que não fosse muito narrativo, mas sim uma interpretação de valores, de emoções e da estética do pensador. Em última instância, é também um álbum sobre a posição que quero ter no mundo, como indivíduo. Era para mim importante poder agradecer a alguém que teve princípios com os quais me identifico tanto, mas que os expressou duma forma muito mais clara e lógica do que eu.

A INFLUÊNCIA DE THOREAU E DOS OUTROS

 Achas que esta geração está à rasca porque gosta de sofrer da Síndrome de Peter Pan?

O facto de termos crescido numa sociedade que é muito facilitista e imediata faz com que percamos um bocadinho a relação da conquista. E isso é muito importante que não se perca, e que se construa. É fácil dizer que somos um país de corruptos em que os interesses económicos estão acima dos sociais, mas eu penso que acima de tudo a culpa disso é nossa. Nós, enquanto indivíduos, temos que fazer construções (primeiro para nós próprios e para a nossa vida, e depois para a comunidade), que possibilitem a alteração de paradigmas. Só através do questionamento daquilo que é a realidade actual, conseguimos evoluir. O grande pecado que cometemos no Portugal actual é o da constante resignação perante os mecanismos que estão à nossa frente. Muitas das vezes comete-se o erro de se pensar que a mensagem do Thoreau é naturalista, ecológica, de paz e amor. Isso é a rama da retórica dele. O que de mais importante retive do pensamento deste autor, foi a percepção de que eu não tenho que viver como os meus pais viveram, eu tenho que viver como eu acho que a vida deve ser vivida.

 Transportas uma espécie de paranóia que herdaste desde as bandas rock da adolescência e que reside no facto de não quereres imitar as pessoas de quem gostas. Esse continua a ser um problema central, para ti?

Sim. Acima de tudo, passa pela necessidade de encontrar uma voz própria. Mas o processo de imitação também é um processo de aprendizagem. É assim que aprendemos a falar, a escrever, e a maior parte das lições valiosas que temos na vida são por imitação. As duas coisas estão sempre interligadas. Mas, para mim, o processo foi muito mais o de saber o que conseguia dizer e produzir com este instrumento, não tendo qualquer tipo de base teórica a influenciar directamente o resultado.

 Mas, apesar de tudo, quais são as tuas influências?

À cabeça, surgem o Claude Debussy e o Erik Satie. Não me relaciono tanto com Beethoven e Mozart, por exemplo. Gosto bastante do Chopin (mas mais da sua faceta dos Nocturnos e dos Prelúdios), Alexander Scriabin, Rachmaninoff, doutro que não tem nada que ver com isto que é o Lou Harrison, do Alan Hovhaness… podia estar aqui meia hora a citar nomes e, todos eles, de alguma forma, inscrevem uma influência naquilo que faço. Mas se eu quisesse desmascarar-me de alguma forma, e te dissesse que o Debussy e o Satie acabam por ser paradigmas muito fortes na minha música, não andaria muito longe da verdade, embora a minha forma de pensar a música seja muito diferente da desses compositores. Eu tento absorver conceitos estéticos que eles exploram, mas sinto-me completamente livre para fazer o que me apetece, os cruzamentos que bem entender.

 Chamam-te minimalista…

(risos) Deve ser no sentido de que faço coisas simples…

 Mas também te poderiam chamar idealista ou romântico…

A questão do romantismo é para mim essencial.

 E o que chamarias tu à tua música?

Quase romântica, quase impressionista.

A VIDA NO BARREIRO E A MERZBAU

H.M. A ideia de que quanto mais particular mais universal agrada-te?

Sem dúvida, faz todo o sentido.

H.M. Achas que os músicos da cidade onde vives (o Barreiro), e com os quais sempre estiveste muito envolvido (nomeadamente no OutFest e no BOM), encarnam um movimento particular que teve eco no país inteiro?

O que existe no Barreiro não é bem um movimento, é preciso desmistificar. No Barreiro existe uma vida boémia bastante forte, um passado relacionado com o associativismo e com a capacidade de as pessoas localmente se organizarem, tanto culturalmente como a nível político. Quase todas as pessoas têm bandas e tocam em bares. A OutRa, a associação que promove o OutFest tem estado a agendar concertos mensalmente, temos o Barreiro Rocks, as festas do Barreiro, muitos artistas… Todo este tipo de interesses, fortemente apoiados pelos poderes locais, fomentam a troca de experiências e de ideias. Por exemplo, eu não sou de lá. Quando cheguei, tinha 18 ou 19 e nos primeiros anos não conheci praticamente ninguém. Foi já na altura da Merzbau que o Victor Lopes, músico dos Frango, estando na altura a trabalhar no segundo ano do OutFest, me enviou um email a dizer que gostava da minha ideia da netlabel (editora online), propondo tomarmos um café, para vermos o que podia surgir dali. O Barreiro é um local embrionário muito forte, que depois possibilita o crescimento. Apesar da grande influência de Lisboa, é uma cidade que se habituou a viver para si. Enquanto cidade de subúrbio, não é tão típica como será Almada, o Seixal ou a Amadora. Existem muito mais pólos de centralismo no Barreiro do que nessas cidades. O que distingue o Barreiro não é o facto de ser marginal ou estar na periferia. O que distingue o Barreiro é que, apesar de estar na periferia, tem a capacidade – por uma questão de tradição – de se reinventar e de acarinhar o que é feito na própria cidade.

 Da última vez que te vimos aqui no Museu, vieste mostrar o álbum Insónia (2009). Nessa altura, estavas também a desistir da tua editora online, a Merzbau (http://www.merzbau-label.org/), para te dedicares exclusivamente ao piano, e tinhas acabado de deixar uma data de músicos orfãos. Como correu essa aventura, na qual lançaste nomes como BFachada e Noiserv?
Acima de tudo, aquilo que pretendia era poder contactar pessoas que estivessem no mesmo meio que eu e com o mesmo tipo de interesses. O que pensei, inicialmente, foi que se tinha necessidade de mostrar a minha música, haveria outras pessoas com a mesma necessidade. Tentar contactar com essas pessoas, trocar ideias e crescer com elas, foi para mim uma oportunidade muito importante e muito grande. E, durante os quatro ou cinco anos em que estivemos em actividade, aprendi e percebi muito do que está inerente à profissão de fazer música.
O piano tirou-te o tempo que podias dedicar à Merzbau, mas as influências do rock e da pop não se perderam…

As bases do piano foram-me dadas pela minha avó, como disse. Mas mais tarde, quando voltei a pegar no instrumento, foi com o intuito de não me ligar a uma escola, de não me ligar ao formalismo na música erudita. Não olho para o que eu faço como música erudita, nem ambiciono estar nesse meio. Não me relaciono com as formas, não me relaciono com os cânones, com o método…portanto, para mim é o mesmo pressuposto de fazer música rock.
Como foi a experiência de seres ao mesmo tempo músico e editor, durante esses anos?

Essa foi uma das questões: até que ponto era eu capaz de lidar emocionalmente com isso. Sempre senti que era muito mais músico que editor e é mais difícil ser editor e deixar de ser músico do que o contrário. Mas o que aprendi foi, acima de tudo, que o artista não pode ter a mesma postura que tinha há dez ou vinte anos atrás. Hoje em dia não basta fazer música, o músico também tem de ter noções do que é a montagem de um espectáculo, a promoção e a produção de um disco…todas essas questões práticas são muito importantes. Muito dificilmente alguém que fica fechado no seu quarto a fazer música, por mais fantástica que seja, consegue chegar a algum lado.

 Por outro lado, isso não me parece só deste tempo. Por exemplo, o Thoreau era amigo do Emerson e do Walt Whitman. Ele sabia que estando perto de certas pessoas com interesses similares aos dele, teria mais facilidade em ser compreendido.

Sim, ele não foi para a floresta com o sentido de ser um eremita e estar completamente isolado da sociedade. Aliás, deixa bem claro, logo no início, que não quer ser um profeta da verdade, nem quer tornar-se um exemplo ou uma moda. E visitava regularmente a cidade, que ficava a dois ou três quilómetros do sítio onde tinha construído a casa. O que Thoreau compreendeu foi que os princípios das pessoas da cidade não eram coincidentes com os seus. Aliás, o ensaio Civil Desobedience (1849) surge na sequência de ter sido preso na cidade por se ter recusado a pagar impostos. Preferiu então, primeiro que tudo, tentar perceber-se a ele próprio e ao que era de facto importante para si. Thoreau é, para mim, um exemplo de alguém que teve necessidade de se voltar para si próprio para se compreender e compreender melhor o mundo.

 Tentas fazer o mesmo?

Qualquer pessoa que conheça bem um músico, percebe que aquela música só podia surgir daquela pessoa, naquela circunstância, naquele momento da sua vida. É isso que distingue. E, no fundo, a mensagem poderosa que a arte tem hoje em dia, num mundo tão mecanizado, é o facto de ser uma afirmação identitária, de indivíduos que estão à procura das suas próprias respostas, e que utilizam a arte como veículo para se relacionarem com o mundo, criando uma certa dialéctica que possibilite ao próprio mundo desenvolver-se. Tive uma necessidade muito grande de não tentar ser ninguém, mas de ser eu próprio. No álbum Insónia o piano está desafinado e isso não me preocupou. Não queria construir de mim uma imagem que não fosse real. Eu era um pianista mais limitado do que sou agora.

WALDEN POND’S MONK E O FUTURO

 No posfácio ao livro Walden, escrito numa fase posterior à sua saída da casa do lago, Thoreau confessou-se satisfeito por o mundo ser maior do que a floresta onde viveu dois anos. Sempre estiveste em editoras nacionais independentes e agora estás ligado a uma editora de Chicago, chamada Immune Recordings (http://immunerecordings.net/), que te distribui a nível mundial. Como é que isso aconteceu?

De forma bastante inesperada. O Erik Keldsen conheceu o meu trabalho através do website Boomkat (http://boomkat.com/, especializado na comercialização de música independente), onde adquiriu o Insónia, em vinil. Mais tarde, enviou-me um email a dizer que tinha gostado do disco e que podia ter interesse em editar-me, quando eu tivesse material novo. Como é óbvio, fiquei extremamente contente. Gravei o disco novo, mostrei-lhe, ele felizmente quis editar, e agora está aí o resultado para as pessoas ouvirem.

 Improvisas cada vez mais ou cada vez menos?

O Walden tem alguns improvisos, mas o Insónia (o anterior) era um disco que vivia muito mais do acidente e do acaso. O Walden foi muito mais conceptualizado e muito mais preciso. Havia um propósito muito firme.

 Quais são os músicos que te acompanham, neste álbum?

Toco com o Baltazar Molina (percussão) e com o Ricardo Ribeiro (clarinete, soprano e baixo e dono da Livraria Trama), que já tinha entrado no Insónia. Comecei a dar-me mais com o Ricardo, porque ele também gostava muito de literatura. Quando senti que, no processo de composição do Walden, a peça já estava solidificada, apresentei-a ao Ricardo e perguntei-lhe se teria interesse em trabalhá-la comigo. Estivemos a tocar juntos, durante uma série de tempo, um pouco só para nós, num processo de experimentação, até chegarmos a uma forma que considerámos que estava concisa e que valia a pena gravar.

 Qual a ideia que está por detrás dos samplers, no terceiro tema?

São gravações feitas a tribos de índios da América central. A ideia veio do Thoreau, que fala muito de índios, num sentido parecido ao de Rousseau em relação ao bom selvagem. Ele dá o exemplo dos índios para ilustrar uma sociedade extremamente avançada do ponto de vista dos valores, e extremamente deficitária do ponto de vista tecnológico.

 Tens planos para o próximo álbum?

Vai chamar-se Samsara e não será um disco tão programático como o Walden, será mais virado para emoções e sentimentos. Do ponto de vista da forma está finalizado, mas a parte da interpretação da peça ainda tem de ser trabalhada. Já conto mostrar um bocadinho daquilo que estou a fazer agora, no concerto do Museu da Música, embora ainda não seja certo. Mas tenho estado a trabalhar, e tenho uma certa urgência em mostrar trabalho.

 Estás a ter uma boa recepção ao Walden Pond’s Monk?

Tenho tido bom feedback na Imprensa. Aliás, em Portugal foi tudo o que eu poderia esperar e muito mais. Lá fora, como o disco foi editado mais tarde, só agora estão a surgir os primeiros artigos críticos. Tenho percebido que as pessoas estão a receber bem o disco e espero que isso me leve a bom porto. Mas também não sei dizer se o próximo disco vai ser para esta ou para outra editora. O contrato que fizemos com a Immune foi só para o Walden Pond’s Monk. O que acontecer no futuro terá de ser novamente pensado e reflectido. Mas, de qualquer forma, vou gravar em breve.

 Lembras-te do concerto que deste no Museu na Música?

Sim. Quando eu fui aí tocar o Insónia, estava numa fase com o Walden Pond’s Monk parecida com aquela em que estou agora com o Samsara. Nessa altura toquei sozinho. Lembro-me que foi um concerto muito emocionante. Fiquei muito satisfeito, porque me consegui desprender da circunstância e estive na música por inteiro. Estava a minha avó e a minha mãe, foi particularmente caloroso. Lembro-me de ter pensado, nessa noite, qualquer coisa como: “Não te preocupes, estás a fazer isto bem e os resultados vão aparecer. Continua”. Por acaso foi um daqueles momentos-chave em que percebi que estava no caminho certo. E, claro, longe de pensar que ia ser distribuído mundialmente por uma editora americana.

Written by mirandamarmelo

May 21, 2011 at 7:56 am

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Norberto Lobo

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Quem te ensinou a tocar tão bem viola?

Ninguém e muitas pessoas. Fui aprendendo um bocadinho com os meus irmãos e com os discos que ouvia…

Os teus irmãos também são músicos?

Sim, são todos músicos, sendo que o mais activo é o meu irmão a seguir a mim, o Manel, com quem eu tenho uma banda (os Norman). Mas os outros tiveram todos bandas, também.

E nunca tiveste aulas?

Tive passagens muito breves por escolas, mas já depois de saber tocar.

Com que idade começaste a tocar?

Por volta dos oito, mas não sei bem precisar. Não me lembro. Sete, oito, por aí.

No teu gosto pessoal encontram-se os grandes guitarristas norte-americanos (da editora Takoma, por exemplo ou o Jim O’Rourke), mas também Carlos Paredes ou Ravi Shankar. Não há propriamente uma tradição específica à qual pertenças…

Sim, não me sinto vinculado a nenhuma em especial.

Aliás, a editora onde gravaste o “Pata Lenta”, a Mbari, é composta por um grupo de artistas muito pouco rotuláveis como tu…

A Mbari é uma editora muito boa, ainda bem que apareceu. Tem um talento especial para congregar artistas interessantes e fazia muita falta, antes de existir. Além de que é a editora da Lula Pena e só isso basta para a justificar.

Vi um video em que os Tigrala tocavam com a Lula Pena. E sozinho, já tocaste com ela?

Sim, já tinha feito umas poucas de músicas com ela, sem os Tigrala.

Mas esse material está disponível?

Não… (risos). Há uns videos no youtube, mas nunca chegámos a gravar nada.

A generalidade dos álbuns dos artistas da Mbari têm uma produção que não tenta disfarçar uma certa crueza. Há muito improviso nas tuas gravações?

No meu caso há uma grande misturada entre improviso e composição. Há algumas músicas que são essencialmente improviso e outras essencialmente composição. Outras que são as duas coisas…Em alguns casos já tenho a composição completamente decorada, mas muda sempre, porque eu não sou capaz de tocar o mesmo duas vezes, descubro sempre uma coisa nova. Há outras músicas que são totalmente improvisadas, como por exemplo a “Zumbido Azedo”. Foi gravada num pátio. Eu comecei a tocar e o Eduardo Vinhas (do Estúdio Golden Poney) ouviu, foi a correr buscar um microfone e gravou aquilo. No entanto, e embora a Mbari tenha este pendor mais acústico, os nossos discos exigem imensa produção. A fórmula não é mais fácil do que num disco de música electrónica. Os discos da Lula Pena têm imensa produção, os do Bfachada também…e, na verdade, os de todos os músicos desta editora.

Como te surgiu a ideia de fazeres uma versão de Björk (“Unravel”, do álbum “Pata Lenta”)?

Gosto muito dessa canção e o processo foi natural: um dia comecei a tocá-la. Basicamente tentei tocá-la como ela é, mas sem ouvir o original. Ou seja, tentei tocá-la como me lembrava dela da adolescência. A minha versão é, no fundo, eu a brincar com a memória.

Muitas das tuas músicas parecem-me uma espécie de repetição que se transforma em variação. Por exemplo, a “Festa do Fim da Folque”.

Eu gosto muito da repetição, duma maneira geral. Gosto muito do estado de espírito que a repetição induz. Além disso, ouvia muito minimalismo, Steve Reich e assim…se calhar isso também passou um bocado para a minha música.

(É uma boa resposta?)

(Sim, é uma boa resposta…)

Vês-te como um artista original, ou sentes que deves muito aos músicos que ouves?

Essa coisa da repetição de que falámos não é nada original. Acho que não sou nada original.

Não deixa de ser engraçado que o grupo de artistas que a Mbari reúne seja evidentemente um grupo de artistas muito originais mas, depois de ouvidos com atenção, se tornam notórias muitas influências e bastante cultura musical. Como se andassem todos um bocadinho à procura dessa variação pela repetição.

Por exemplo, o Ricardo Rocha está a fazer uma coisa absolutamente inédita na guitarra portuguesa. É uma pessoa que parece saber a tradição toda de trás para a frente, mas não está preso a ela. E, falando por mim, eu não sinto nem nunca senti nenhuma filiação por nenhuma escola, não conheço nenhum cânone. Só ouço discos e isso é a minha tradição.

Achas que a própria Mbari segue a tradição de editoras como a Takoma?

Penso que não. O critério desta editora é o do gosto pessoal dos seus donos. E têm muito bom gosto. Os projectos que alberga, embora tenham qualquer coisa em comum, são muito diferentes entre si. O que define a Mbari é que, além do bom gosto, é uma excelente editora e trabalha muito bem.

Os títulos das músicas são engraçados. Usas muitas palavras ou expressões que pertencem à cultura popular.

Eu sou um bocado mau a dar títulos. Tenho de os arranjar quando vou gravar para as músicas não serem apenas numeradas. Se bem que já quis fazer isso. Muitos títulos vêm do meu irmão Manel. Normalmente pergunto-lhe: “Como é que se chama esta música?” e depois toco um bocadinho e ele pensa durante 5 segundos e  responde um disparate. E o disparate fica. Ou seja, eu deixo que sejam as pessoas a escolherem os títulos. Se alguém me diz: “Essa música soa a não sei quê”, eu gosto da ideia de que a maneira como soa seja o título. Tenho também títulos directamente associados a lugares e pessoas.

E letras? Além das colaborações com a Lula Pena, nunca ouvi nenhum projecto teu que tivesse letras.

Mas tenho. Tenho umas canções, mas nada editado.

E és tu que cantas?

Pá, sim (risos). Ou ponho outras pessoas a cantar. Mas as minhas letras…enfim… Tenho é muitas canções vocalizadas, mas não são propriamente com letras, ou narrativas. São umas palavras que valem pelo som que produzem.

Preocupam-te coisas como “a mensagem” e “a consciência política”, no teu trabalho?

Acho que é um impossível não preocuparem. Esta é uma questão altamente complexa. Por um lado considero-me uma pessoa “voluntariamente apolítica” (não sei se isto se pode dizer), por outro, cada vida é política. Tudo o que tu decides está a favor ou contra qualquer coisa. Mas eu não penso na arte como sendo política ou não. Posso ser tocado por arte política como por outro tipo qualquer de arte. Só que se uma coisa é muito política, provavelmente já não é arte. Se tem mais política do que arte é outra coisa qualquer…

Como começaste a tocar tambura?

Um amigo meu dinamarquês que ficou umas férias em minha casa tinha uma tambura. E eu passei o tempo a tocá-la. Vim depois a descobrir que tinha sido ele a fazê-la e pedi-lhe que me construísse uma também. Ele disse que sim, mas depois não falámos durante não sei quanto tempo. Um dia eu fui à Dinamarca tocar e apareceu no concerto com uma tambura pronta para me dar. Eu pensava que ele já se tinha esquecido, mas afinal não.

Há quanto tempo fazes tournées internacionais?

Há quatro, cinco anos.

Quem são as pessoas que te contratam?

Todo o tipo de pessoas. Vou a festivais de jazz, às “ZDB’s” dos sítios, a cabeleireiros, a bares.

A cabeleireiros?

Sim, já toquei em cabeleireiros. E na casa de pessoas também. Na Europa Central há muito o costume das pessoas que têm apartamentos grandes darem concertos privados. Já toquei nessas circunstâncias e foi muito bom.

Nunca te vi a solo, mas já vi alguns concertos de Tigrala e venho notando que quer tu, quer o Guilherme Canhão, quer o Ian Carlo, têm relações muito físicas com os instrumentos que tocam. Aliás, reparei depois, através de vídeos no Youtube que, independentemente do projecto, seja Xamã, seja Tigrala, sejas tu sozinho, isso vos acontece sempre. Essa fisicalidade não equivale a coreografia, não me parece que tenha uma natureza teatral…

É muito importante teres uma relação física com o instrumento. Estou-me a lembrar de duas coisas: Vi um documentário sobre o Don Cherry (trompetista de Jazz) na televisão sueca e a certa altura ele está a tocar um instrumento de cordas que se chama, salvo erro, n’gouni, e a explicar ao repórter: “Isto é mesmo uma coisa muito física”. E depois começa a acentuar um tempo meio estranho e diz: “Isto tem de ser com o corpo, tem de ser tocado com o corpo”. Eu sempre achei aquilo lindo. E o Miles Davis também escolhia os músicos pela maneira como pegavam no instrumento, o que revela uma ciência de vida incrível, porque isso é completamente verdade. O instrumento deve tornar-se uma extensão do músico. Isso é o que eu gostaria para mim, um dia. E é isso que eu gosto de ver nos músicos. O Guilherme e o Ian Carlos são, sem dúvida, músicos onde esse fenómeno acontece, muito claramente. O instrumento é uma extensão do corpo deles.

Como o Maradona e a bola de futebol?

Sim, é parecido. É passares muito tempo com um objecto até ele se tornar parte de ti. Com os ciclistas é o mesmo. Alguns deles parece que já nasceram em cima da bicicleta.

Quando foi a primeira vez que pensaste: “A música está a tornar-se uma coisa séria na minha vida”?

Não sei, mas quando tinha 14 anos já sabia que era isto que eu queria fazer para o resto da vida. Quero fazer muitos discos na minha vida. E estou sempre a pensar no próximo.

Nunca duvidaste de que o teu plano pudesse fracassar, por causa do que dizem da falta de emprego entre os músicos em Portugal?

Sim, claro, mas isso não ia fazer diferença nenhuma. Provavelmente ia estar a fazer o que faço, mesmo se tivesse de trabalhar nos correios, felizmente não tenho. Todos os dias me sinto com sorte por poder tocar guitarra o dia inteiro.

Quantas horas tocas por dia?

Varia. O dia inteiro…varia mesmo…sou capaz de estar a tocar…não sei… de manhã à noite…varia. Depende das coisas que tenho para fazer. Agora não estou a tocar, por exemplo, estou aqui a dar uma entrevista.

Consegues imaginar um cenário em que não tenhas uma viola durante uma semana?

Acho possível, sim. Até já me aconselharam a fazê-lo, no entanto não considero que seja necessário até sentir essa vontade. A última vez que isso me aconteceu foi numas férias em que eu fui não sei para onde e fiquei cerca de uma semana sem tocar. Disse “nunca mais”! Foi há uns 10 anos atrás (risos). É que não sei onde hei-de meter as mãos.

Tens pudor em dizer que és artista?

Não, ser artista é como fazer pão. É uma profissão como outra qualquer, e tão útil como outra qualquer.

Guardaste na memória o concerto que os Tigrala deram o ano passado no Museu da Música?

Sim, foi muito simpático. Vocês não têm mais músicos a ir tocar aí por falta de dinheiro para os caches. Todo o padeiro tem de receber o dinheiro pelo pão que vende. No entanto, apesar dessas questões que são transversais a quase todos os museus, o Museu da Música tem uma atmosfera muito boa para concertos. E é o Museu da Música, só o nome fala por si. Tem de haver um esforço das duas partes, julgo. E os próprios músicos também têm de estar mais informados de que podem tocar aí.

Qual foi o concerto com mais público em que já actuaste?

É capaz de ter sido no festival do Sudoeste. Toquei com o Devendra Banhart, há alguns anos atrás.

Ficaste intimidado?

Não, parecia que estava a tocar por cima do disco, em casa, foi muito bom.

E da primeira vez que tocaste?

Também não. Foi no liceu, acho. E depois, no início dos Norman, tinha eu dezassete ou dezoito anos.

Além da tambura e da viola tocas mais algum instrumento?

Toco guitarra eléctrica e baixo.

No teu projecto de música electrónica (od6)?

Nesse toco tudo menos guitarra: há um set enorme de instrumentos, piano, imensos objectos…

Tocas essencialmente de ouvido?

Sim.

Lês pautas?

De forma muito rudimentar, mas não uso.

Já estás a preparar o teu próximo álbum?

Já.

E tens data de lançamento?

Não, vai ser algures no ano que vem.

Pela mesma editora?

Em princípio… Aliás, já tenho dois álbuns preparados, um a solo e um em duo, com o João Lobo, o baterista.

Os Tigrala, que acabam de lançar um álbum (“Tigrala”) também já têm material novo?

Sim, já temos também dois álbuns prontos que ainda não gravamos. Os Tigrala são uma banda muito profícua.

O que diferencia o teu primeiro álbum a solo (“Mudar de Bina”) do segundo (“Pata Lenta”)?

Diferencia-os o espaço de tempo entre eles, e tudo o que uma pessoa muda e aprende em dois anos.

A tua vida, basicamente.

Pois.

A tua vida e a tua música…

Se são a mesma coisa? Sim.

QUIZZ

“À la recherche du temps perdu” ou “On the road”?

On the road, porque o outro nunca li inteiro (risos).

Com álcool ou sem álcool?

Tem dias.

Migas de bacalhau ou sushi?

Posso escolher os dois?

Coentros ou salsa?

Os dois, também.

Bairro Alto ou Alentejo?

Alentejo.

Braga ou Nova Iorque?

As duas, sem dúvida.

Alfredo Marceneiro ou Amália?

Os dois.

Tom Waits ou Leonard Cohen?

Leonard Coehn.

Bach ou Wagner?

Bach.

Ravel ou “Unravel”?

Ravel (risos).

Stravinsky ou John Cage?

Os dois, sem dúvida alguma.

Sex Pistols ou Ramones?

Essa é mais difícil…Ramones.

Damien Hirst ou Paula Rego?

Paula Rego.

Pollock ou Duchamp?

Pollock, porque fez a capa do álbum Free Jazz de Ornette Coleman.

Bergman ou Almodovar?

Bergman.

Fernando Pessoa ou Cancioneiro Tradicional Português?

Cancioneiro Tradicional Português.

Manoel de Oliveira ou Saramago?

Manoel de Oliveira.

Cristiano Ronaldo ou Mariza?

Cristiano Ronaldo.

Salazar ou colher de pau?

Colher de pau.

Jogo do bicho ou jogo de xadrez?

Xadrez.

Tom Sawyer ou Charlie Brown?

Tom Sawyer.

Pevides ou tremoços?

Tremoços.

Futebol ou ping pong?

Ping pong.

Facebook ou telegrama?

Telegrama.

Tambura ou viola?

Os dois.

Folclore ou fado?

Nenhum.

Índios ou Cowboys?

Índios. Esta é óbvia, não é?

Mudar de Bina ou Pata Lenta?

Nenhum. Os dois, estou a brincar.

Deus ou Nada?

Nenhum.

Written by mirandamarmelo

September 9, 2010 at 12:18 am

Posted in Música